Meio Galeto Com Fritas.

Cartaz do Filme "O Ébrio" com Vicente Celestino
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Hoje é segunda-feira 19 de junho de 2006, e ontem, a seleção brasileira de futebol venceu a australiana por dois a zero, garantindo a vaga para as oitavas de final.
Passei o dia de hoje em casa.
Assisti aos três jogos da copa, vi um pouco mais de TV e tratei de recuperar e arquivar no computador, fotos dos meus filhos que estavam espalhadas em pequenos álbuns, por gavetas e armários da casa.
Nas segundas-feiras não abro meu barzinho... Descanso.
Agora à noite, resolvi sair para comer alguma coisa... Mais pela saída de casa do que mesmo pelo que iria comer. Ainda não estava nem com apetite, mas queria voltar antes do jornal nacional para saber das últimas da seleção. Peguei o carro e saí.
Às vezes bate uma vontade maluca de comer meio galeto na brasa com fritas salpicadas de queijo parmesão. Foi o que fiz.
Aqui em Jardim Atlântico – bairro de Olinda – só resta um pequeno restaurante que ainda se atreve a oferecer esse prato É o Restaurante Taiwan. Não entendo porque é tão difícil encontrar essa iguaria. O galeto, até que a gente encontra, mas, só se for acompanhado de feijão macáçar, arroz, vinagrete e farofa.
Assim que estacionei e saí do carro, vi que aproximava-se de mim, quase correndo, um homem de meia idade, alto, magro, vestindo bermuda, camisa e um par de sandálias tipo japonesa.
Pensei que viesse me abordar sobre o estacionamento, para garantir algum trocado quando eu fosse embora. Mas, não... Passou rápido por mim, justamente no momento em que eu ia colocando meu pé no primeiro degrau de acesso à calçada do restaurante.
Tive que parar um pouco para que não trombássemos.
Enquanto escolhia uma mesa e fazia meu pedido, vi que ele entrava no toalete masculino.
Ficou lá até o instante em que meu prato foi servido.
No tempo em que o garçom me servia, eu o vi dirigindo-se ao lavabo para retocar diversas vezes com as pontas dos dedos, um pequeno tufo de cabelos que teimava em não obedecer.
Pensei comigo: Olha aí! Deve estar se preparando para encontrar sua garota na beira mar.
O galeto nesse restaurante não é lá essas coisas mas, era isso que queria comer.
Enquanto desfiava o peito da ave e saboreava juntamente com as tirinhas de batatas que não foram beneficiadas com parmesão – as outras, mais saborosas, ficariam para o final – vi que havia alguém numa mesa ao lado conversando muito alto. Não dei importância, mas, não pude deixar de tomar conhecimento do que se tratava. Falava com alguém sobre uma mulher que o abandonara e, entre uma frase e outra, soltava um grito de “AAAARRRRR!”. Era um verdadeiro rosnado. Esse som saia da garganta e durava o tempo que tivesse ar nos pulmões.
Entre curioso e meio assustado, resolvi dar uma olhada naquele homem tão furioso.
Virei lentamente a cabeça até metade do caminho e deixei a outra metade para os olhos, que foram até o canto, e se depararam com a figura do homem que entrara junto comigo no restaurante. Estava sozinho mas, falava como se tivesse um colocutor.
- É cada mulher carente! E o ódio vai aumentando cada vez mais!...
Vi que estava muito revoltado, embora falasse com um ar de riso:
- Agora eu arrumei uma vizinha e tô numa boa! AAAARRRRRR! Eu não agüento! É muito ódio!... Um dia joguei na mega sena e quando pedi o resultado a ela, recebi o do ano anterior! Era preu tá rico!. Vige que ódio!... AAAAARRRRRR!!!
Percebi então que o destino de todo aquele ódio devia trabalhar em uma loteria da Caixa.
- E agora que eu comprei essa sandália com a bandeira do Brasil! Ela até já deu uma olhada pros meus pés! AAAARRRRRRR! O ódio é demais, e a gente liso*, não tem quem agüente! AAAAARRRRRRR!!!
Não pude sorrir externamente, pois estávamos lado a lado.
Chamei o garçom e pedi sua caneta.
Apanhei alguns guardanapos sobre a mesa e comecei a anotar aquelas frases todas, sem saber ainda o que faria com elas. Sabia apenas que não poderia deixa-las perderem-se ali.
- Nunca mais confiei nela!. Daquele dia em diante, nunca mais confiei nela! Era preu tá rico! Que ódio!...
Percebi que o garçom nem ligava para o que ele dizia. Serviu-lhe a cerveja que pedira, e saiu dobrando as toalhas das mesas desocupadas, preparando a casa para fechar. Parecia já estar acostumado àquela cena.
- Mulher é uma coisa muito boa, mas, dessa aí!... –
Continuou...
- Tem umas que é muito ruim!... Demais!... Dá ódio!... AAAARRRRRR!!! São covardes demais! Tudo lisa* e tudo falsa! Ingratas!...
Quase não conseguia mais comer meu galeto.
Com uma mão ocupada pela caneta, passei a comer apenas as tirinhas de batatas com a outra, sem prestar atenção se estavam ou não premiadas com queijo parmesão.
Sua voz, agora, estava mais alta, e sua pele, clara, agora mostrava que o sangue lhe subira às faces.
-Mulher ruim nem Deus agüenta! Odeio... Odeio... Eu hoje era pra tá cheio de dinheiro, jogando uma peladinha** ali! Rah rah rah rah rah... – Gargalhou.
- Tem umas que é mais cínica ainda! AAAAAARRRRR!!! Mulher cínica é ruim demais! Toda ela gosta de gozar da cara da gente! Agora arranjei a quinta mulher para gozar da minha cara! Agora o meu calo seco voltou preu sofrer de novo. Isso é um inferno!... AAAAARRRRRRR!!!
Nisso, começou a se levantar. Pagou a cerveja com moedas no valor certo e ainda deu pra ouvir suas últimas frases:
- E outra coisa!... Paixão é uma desgraça! Vai em cima... Vai em baixo... Não tem quem agüente! A gente pensa!... Pensa!... Pensa!... É uma desgraça.
E, já descendo os degraus:
-Agora eu comprei essa bermuda que não tem “fechecler” , é só juntar as bandas que cola! Pior não é isso!... Pior é que eu machuquei o dedo!... AAAAAARRRRR!!!... – E saiu.
Paguei o jantar que não comi e, satisfeito, guardei as anotações no bolso.
Ao manobrar o carro para voltar pra casa, passei por ele, que estava sentado num dos bancos de cimento da beira mar, num beijo de lascar com a tal vizinha.



*- liso, ou lisa, também é usado aqui no Nordeste para a pessoa que não está com dinheiro.** - pelada é um jogo de futebol improvisado, em qualquer lugar, com qualquer bola.
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Comentários

  1. Anônimo11:03 AM

    Pense que criei esse Blog com um único objetivo, poder comentar os brilhantes textos de meus amigos, em especial de meu amigo Rodolfo Vasconcelos... O cidadão tem um dom especial em descrever suas histórias, todas verídicas, que o mesmo teve o prazer de viver, e hoje sinto que deve ter grande alegria em retratá-la para todos os seus amigos... Vou ver se tomo vergonha na cara e escrevo alguma coisa substancial aqui nesse meu espaço.
    POSTED BY IGUINHO AT 12:45 PM 0 COMMENTS

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